Faltar água no Brasil é inaceitável. De toda a água de superfície que existe no planeta, em lagos e rios, o Brasil tem 12%, um privilégio, por isso é difícil entender porque entrou em crise o sistema de fornecimento de água na região mais próspera do país, o Sudeste.
E por que no Nordeste brasileiro, onde períodos de seca são sempre esperados, os açudes secaram, obrigando muitas cidades a se socorrer de carros-pipa como única fonte de água potável?
A ideia de que o Brasil é rico em água pode ser apenas um mito. Primeiro, porque a nossa água está mal distribuída, ela se concentra na bacia do Rio Amazonas, onde vive uma parcela pequena da população brasileira. Segundo porque nós somos perdulários: 37% da água potável encanada é perdida com vazamentos nas redes de distribuição e ligações clandestinas. E, terceiro porque, no Brasil, apenas 39% do esgoto recebe algum tratamento, o restante vai direto para a natureza.
São Paulo – Um exemplo é São Paulo. Nascida na confluência de vários rios, a cidade hoje sofre porque deixou a poluição tornar imprestáveis as fontes próximas. Sem reservatórios suficientes para enfrentar períodos de seca, hoje depende de obras emergenciais caras, como a busca de água a 83 km de distância, a um custo de R$ 2,2 bilhões.
“Nós nos preocupamos em levar água tratada para as pessoas e esquecemos que tinha que coletar e tratar os esgotos. Passamos décadas sem investimentos na parte de esgoto, transformamos os rios, principalmente os rios urbanos, em diluidores de esgoto e acabamos com a capacidade de usar os rios urbanos para fonte de água. Esse descaso histórico está cobrando seu preço nesse momento de falta de água”, explica Edison Carlos, do Instituto Trata Brasil.
Para o governo paulista, a crise em São Paulo tem duas causas principais: a cultura da abundância de água, que levou ao desperdício, e uma falta de chuvas sem precedentes.
Austrália – A Austrália, país sujeito a secas recorrentes, construiu uma grande rede de reservatórios e canais para garantir água para as cidades e preservar a agricultura. E ainda foi além.
Toda uma grande estrutura foi feita não para desviar água para as fazendas, e sim para uma floresta. Os australianos já perceberam que não basta tentar resolver apenas os problemas imediatos da seca, é preciso pensar no futuro, preservar o meio ambiente e as fontes naturais de água.
As lagoas das florestas de eucalipto cumprem um papel importante na preservação do Rio Murray, o principal da Austrália. Ele faz parte da bacia Murray-Darling, que garante água de irrigação para a região que é o celeiro de alimentos do país.
A água entra na floresta na época das chuvas e sai nos meses secos. Na última grande seca na Austrália, chamada “seca do milênio”, que durou de 2000 a 2010, a água deixou de entrar na floresta e o governo decidiu desviar para o rio, água tratada que antes ia para a agricultura.
Anna Chatfield, gerente do projeto de recuperação, explica que tudo depende de atender ao mesmo tempo os interesses dos fazendeiros e a preservação do meio ambiente. O objetivo é tentar manter esse equilíbrio.
Tim Nitschke, responsável pela preservação das plantas aquáticas, diz que sempre haverá períodos de seca. “Nós temos mais consciência da importância da água, é uma questão de educação contínua”, diz.
Cingapura – Cingapura também não descuida do meio ambiente. A pequena ilha protege, e muito, as suas fontes naturais de água.
Um pequeno rio sinuoso que corta um parque parece muito natural, mas na realidade não é. Ele foi feito pelo homem. Cada pedra e cada planta foram colocadas de acordo com um planejamento muito rigoroso, mais um projeto de Cingapura para gerenciar suas águas.
Antes passava por lá um canal de concreto no meio do nada, agora, o espaço é um dos maiores parques da cidade, adorado pela população. O parque também serve para acumular água de chuva e evitar enchentes durante os temporais. Um “piscinão” bonito e ecológico.
De volta ao Brasil – No Brasil, não protegemos nossos rios. O Rio São Francisco, um dos mais importantes cursos d’água do país, porque integra regiões e irriga áreas áridas, está sendo sacrificado pela seca que entra em seu terceiro ano no Nordeste.
Por causa da pouca água, as grandes hidrelétricas da região, como Sobradinho e Xingó, estão segurando o máximo possível da pouca água trazida pelo São Francisco, com grave consequência na foz do rio.
Nas hidrelétricas é possível controlar a vazão de água que chega na foz abrindo e fechando comportas e para manter os reservatórios em nível razoável, essa vazão foi deliberadamente cortada. Hoje é a metade do que era três anos atrás.
Com a perda de força do São Francisco, a água salgada do oceano invadiu o leito do rio.
Os moradores dependem do São Francisco para tudo. “Para beber, para lavar, para cozinhar [mesmo quando está salgada]. Sim porque não tem outro recurso tem que fazer isso aí mesmo. Para lavar e cozinhar tem que ser essa água”, diz Lucia Veríssimo dos Santos, moradora da região.
Ribeirinhos como Branco da Silva, que vivem da pesca, também reclamam: “Cada vez mais pior. Com água salgada, está cada vez mais pior”.
O pesquisador e geólogo Landerlei Santos avalia que a cunha de água salgada que sobe o rio por baixo da água doce já chegou a 20 km rio acima. Ninguém sabe o que vai acontecer, diz ele, porque não há estudos completos sobre a dinâmica do rio. “Não estávamos preparados e o homem vem interferindo e complicando cada vez mais esse cenário, que já é preocupante”, alerta.
Lição em tempos de seca: é preciso mudar no Brasil a cultura da abundância pela da conservação de água.
“Cada litro de água é importante, nós não podemos nos dar ao luxo de poluir rio ou de não reutilizar água que já existe aqui. Se a gente não mudar esse paradigma, vai ficar muito difícil sair dessa crise que veio para ficar”, pontua Edison Carlos, do Instituto Trata Brasil.
Fonte: G1