Bill Gates investe em reator movido a lixo nuclear

Num prédio discreto em Bellevue, no Estado de Washington, engenheiros, físicos e especialistas nucleares estão investindo num sonho de Bill Gates: um novo tipo de reator nuclear que possa ser movido pelo lixo nuclear de hoje, fornecer toda a eletricidade que os Estados Unidos vão precisar pelos próximos 800 anos e, possivelmente, reduzir o risco de proliferação de armas nucleares.

Comandada por Gates e o também bilionário da Microsoft Nathan Myhrvold, a start-up TerraPower já levantou dezenas de milhões de dólares para o projeto, mas a construção de um protótipo de reator pode custar US$ 5 bilhões – razão pela qual Gates está procurando um espaço para a usina de demonstração na China, rica e sedenta por energia.

“A esperança é que encontremos um país que possa construir a usina-piloto, e o mais provável é que seja a China”, disse Bill Gates no ano passado. “Se isso acontecer, a economia do nosso reator será muito superior à das usinas que temos hoje.”

Os reatores nucleares atuais funcionam com concentrações de 3% a 5% de urânio 235, combustível enriquecido que deixa como resíduo uma substância pura, em sua maior parte natural, o urânio 238. Nesses reatores, parte do urânio 238 é convertida em plutônio, que é usado como combustível suplementar. No entanto, a maior parte do plutônio fica como resíduo.

Já o reator da TerraPower produziria mais plutônio a partir do urânio 238 para ser usado como combustível, de modo que operaria quase inteiramente a partir de urânio 238. Precisaria de apenas uma pequena quantidade de urânio 235, que funcionaria como o fluido de isqueiro que acende o carvão de uma churrasqueira.

O resultado, espera a TerraPower, seria que os países não precisariam enriquecer urânio nas quantidades que enriquecem hoje. Isso dificultaria as tentativas de esconder ambições de construir armas nucleares por trás do argumento da necessidade de grandes estoques de urânio enriquecido para um programa civil.

O conceito da TerraPower também dificultaria a lógica por trás de um segundo caminho para chegar a uma bomba: a recuperação do plutônio do combustível usado de reatores, que é como é feita a maior parte das armas nucleares. Como existe tanto urânio 238 disponível, não haveria mais razão para usar aquele plutônio.

Porém, todos concordam que essa ideia é uma aposta de longo prazo. Mesmo os otimistas dizem que será preciso esperar até, no mínimo, 2030 para comercializar essa tecnologia.

Um dos maiores desafios que a TerraPower enfrenta é que os nêutrons -partículas liberadas quando um átomo de urânio é partido- danificariam as partes metálicas do reator. O problema é contornável nos reatores de hoje porque o combustível não passa mais de seis anos no mesmo lugar. Mas a ideia é que o combustível da TerraPower fique parado por 30 anos no mesmo lugar. Assim, os engenheiros da start-up estão fazendo experimentos com metais de tipos diferentes e a temperaturas diferentes.

Outro problema é que, quando o urânio é partido, alguns dos fragmentos são gases. Isso é tolerável nos combustíveis atuais, mas nenhum combustível poderia resistir a um acúmulo de 30 anos.

O simples projeto do núcleo do reator é um problema adicional. O tempo de vida do núcleo, 30 anos, é tão longo que o estoque de produtos de fissão, alguns dos quais absorvem nêutrons, também pode mudar à medida que alguns materiais instáveis emitam radiação e se transmudem em outra coisa.

Para permitir que os nêutrons se desloquem a uma velocidade ótima para a conversão de urânio residual em plutônio combustível, o reator utiliza sódio, e não água, para moderar a velocidade dos nêutrons e levar embora o calor utilizável. Mas o sódio quente queima em contato com o ar.

A TerraPower não é a única a querer construir um reator que converta urânio residual em energia. A General Atomics, que tem décadas de experiência com energia nuclear, mas é mais conhecida por produzir o “drone” Predator, está investindo no que chama de módulo de reator “multiplicador energético”, seguindo o mesmo princípio geral. Sediada em San Diego, na Califórnia, a empresa se propõe a usar hélio em lugar do sódio, potencialmente simplificando alguns problemas. “É só montar, deixar queimar e pronto”, disse o vice-presidente sênior da General Atomics, John Parmentola.

Os engenheiros que trabalham para Bill Gates admitem que os desafios são imensos, mas estão convencidos de estar buscando, com Gates, a solução não apenas para a proliferação energética e de armas mas também para as mudanças climáticas e a pobreza.

Doug Adkisson, vice-presidente sênior de operações da TerraPower, disse que Bill Gates faz “uma avaliação muito humanitária, mas muito racional” da energia nuclear. O que o levaria a interessar-se por ela são as seguintes perguntas: “O que temos e o que podemos fazer para elevar o padrão de vida de milhões de pessoas?”.

 

 

(Fonte: Folha.com)

 

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